Nova Regra sobre Trabalho em Feriados Gera Impasse entre Governo e Congresso
Introdução
A partir de 1º de julho de 2025, uma nova regra poderá mudar o funcionamento de estabelecimentos comerciais em todo o Brasil durante feriados.
Trata-se da Portaria 3.665/2023, publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que determina que comércios como supermercados, farmácias e concessionárias de veículos só poderão abrir em feriados mediante acordo formal com sindicatos, via convenção coletiva.
No entanto, a aplicação da medida corre sério risco de ser barrada pelo Congresso Nacional, em votação prevista para esta segunda-feira (16).
Pressionado por parlamentares da oposição e representantes de setores econômicos, o governo federal já prorrogou a implementação da portaria quatro vezes. Agora, o embate chegou a um ponto crítico, com possibilidades reais de revogação definitiva.
📜 O Que Determina a Nova Portaria
A proposta altera uma regra anterior de 2021, implementada durante o governo Jair Bolsonaro, que liberava o funcionamento do comércio em feriados sem a necessidade de negociação prévia com sindicatos.
A nova diretriz do governo Luiz Inácio Lula da Silva busca resgatar o que já está previsto na lei federal 10.101/2000, reforçando que qualquer atividade comercial exercida durante feriados deve ser condicionada a acordo coletivo entre empregadores e trabalhadores.
A medida atinge 12 categorias do comércio, entre elas:
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Supermercados e hipermercados
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Farmácias, inclusive de manipulação
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Açougues e peixarias
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Concessionárias de veículos
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Comércios em aeroportos, estações e áreas turísticas
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Atacadistas e distribuidores
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Varejistas em geral
Outras 110 atividades que já tinham autorização para funcionar em feriados, como hotelaria, construção civil, transporte, cultura e call centers, não serão afetadas pela portaria.
Por Que a Regra Causou Polêmica
Desde sua publicação, a portaria enfrentou resistência imediata de setores empresariais, parlamentares da oposição e representantes de entidades patronais.
O principal argumento é que a exigência de convenção coletiva pode inviabilizar o funcionamento de comércios em muitas regiões do país, especialmente em cidades pequenas, onde sindicatos não estão presentes ou não têm capacidade de negociação efetiva.
Segundo o deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), presidente da Frente Parlamentar de Empreendedorismo, a medida representaria um entrave desproporcional à atividade comercial: Em municípios do interior, muitas vezes não há sindicato de trabalhadores no comércio. Se não houver convenção coletiva, e uma central sindical se recusar a negociar, o comércio todo pode ser paralisado. Isso é inviável.
A crítica gira em torno de dois pontos principais: o aumento de custos operacionais e a insegurança jurídica, já que os empregadores ficariam dependentes de autorizações sindicais para abrir seus estabelecimentos em feriados.
O Que Diz o Governo
Diante das críticas, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, afirmou que a entrada em vigor da portaria poderá ser adiada novamente, enquanto não houver consenso entre empresários e trabalhadores.
Em entrevista à TV Globo, Marinho declarou: Enquanto não houver solução negociada, nós vamos prorrogar. A solução definitiva pode passar pelo Congresso.
Apesar disso, o ministro sustenta que a portaria de 2021 é ilegal, por tentar se sobrepor a uma lei federal. Segundo ele, a portaria de Lula apenas restabelece o cumprimento da legislação já existente, que exige negociação coletiva para o trabalho em feriados.
Negociações no Congresso e a Pressão por Mudanças
Parlamentares da Frente Parlamentar do Comércio e Serviços (FCS), da Frente Parlamentar de Empreendedorismo (FPE) e da União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços (Unecs) vêm pressionando o governo a aceitar uma contraproposta.
O deputado Luiz Gastão (PSD-CE), presidente da Fecomércio-CE, ficou encarregado de apresentar um novo texto ao Ministério do Trabalho, em conjunto com Joaquim Passarinho.
Segundo Passarinho, a proposta será alternativa e não buscará “retomar métodos antigos”, mas adaptar a regulamentação à realidade regional e permitir maior flexibilidade aos empresários.
Argumentos a Favor da Nova Regra
Para os sindicatos de trabalhadores, a medida é uma garantia mínima de direitos em um ambiente de crescente flexibilização das leis trabalhistas.
Julimar Roberto de Oliveira, presidente da Contracs (Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio), argumenta: O trabalhador abre mão de um feriado, de um dia com a família, para trabalhar. Ele precisa receber algo em troca — seja folga compensatória, remuneração extra ou vale-alimentação. Isso deve ser negociado, e não imposto.
A convenção coletiva, segundo os defensores da portaria, estabelece um padrão mínimo de compensações e evita abusos.
Além disso, fortalece os sindicatos e melhora o equilíbrio na relação entre patrão e empregado.
Impactos Econômicos e Argumentos Contrários
Empresários e entidades representativas do comércio consideram que a medida encarece a operação nos feriados e compromete a competitividade.
Em muitos setores, o feriado representa o período de maior faturamento, como em supermercados e lojas em áreas turísticas.
Outro argumento comum é que a ausência de sindicatos organizados em várias regiões tornaria a negociação impraticável, levando à paralisação das atividades e à perda de empregos.
Além disso, há o fator da contribuição sindical, cuja obrigatoriedade foi retirada pela Reforma Trabalhista de 2017.
Dados do próprio Ministério do Trabalho indicam que a arrecadação dos sindicatos caiu de R$ 3 bilhões em 2017 para R$ 57,6 milhões em 2024.
Assim, muitos sindicatos não têm estrutura suficiente para realizar convenções eficazes.
Questões Jurídicas e Hierarquia Legal
Juristas ouvidos pela BBC Brasil afirmam que a portaria de 2021, que dispensava a convenção coletiva, é considerada ilegal, pois contradiz a lei federal 10.101/2000.
Como uma portaria é um ato administrativo, não poderia anular ou modificar o que está previsto em lei, que tem hierarquia superior.
A portaria de 2021 foi uma tentativa do Executivo de alterar a lei via canetada, o que não é permitido no Direito”, afirma Rodrigo Carelli, professor da UFRJ.
A advogada trabalhista Natália Guazelli, da OAB-PR, complementa: A situação atual gera insegurança jurídica. Auditores do trabalho têm dificuldade de fiscalizar. O empregador se apoia em uma norma inferior para justificar a abertura nos feriados.
Sector | Requires Collective Agreement? |
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Supermarkets, Markets, and Hypermarkets | ✅ Yes |
Pharmacies and Drugstores | ✅ Yes |
Butcher Shops, Fish Markets, Fruit and Vegetable Fairs | ✅ Yes |
Vehicle Dealerships | ✅ Yes |
Trade in Ports, Airports, Stations, Tourist Areas | ✅ Yes |
Retail of Regional Products in Resorts | ✅ Yes |
Wholesalers and Distributors | ✅ Yes |
Retail Trade in General | ✅ Yes |
Entretanto, hotéis, call centers, indústrias, construção civil, cultura e transportes continuam liberados para funcionar sem exigência de negociação.
O Que Pode Acontecer Agora?
O cenário é incerto. Caso a votação no Congresso derrube a portaria, a regra deixará de valer e o funcionamento do comércio nos feriados continuará liberado sem negociação, conforme definido na portaria de 2021.
Outra possibilidade é um novo adiamento da entrada em vigor da norma, caso o governo e os setores envolvidos cheguem a um acordo intermediário, ou se um projeto de lei alternativo for aprovado nos próximos meses.
Além disso, há propostas no Congresso para discutir uma nova forma de financiamento sindical, que permita aos sindicatos manterem sua atuação mesmo sem a contribuição obrigatória. Isso seria essencial para que a negociação coletiva ocorra de forma justa e equilibrada.
✅ Conclusão
A tentativa do governo de regulamentar o trabalho em feriados por meio da exigência de convenção coletiva reflete um movimento para reforçar a proteção trabalhista e valorizar o diálogo entre patrões e empregados.
No entanto, o contexto político e econômico atual impõe desafios significativos à implementação da medida.
O equilíbrio entre respeito aos direitos dos trabalhadores e viabilidade econômica para os empregadores será fundamental para o desfecho dessa disputa.
Cabe agora ao Congresso Nacional decidir se o Brasil avançará na direção de uma regulação mais protetiva e negociada ou se manterá o modelo mais flexível e liberal introduzido em 2021.