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Um retrato preocupante da realidade educacional brasileira

A saúde mental tem sido cada vez mais discutida no ambiente escolar, especialmente após os impactos da pandemia e o crescimento de casos de ansiedade, depressão e bullying entre crianças e adolescentes.

No entanto, dados recentes revelam um cenário alarmante: apenas 15,7% das escolas públicas do Brasil contam com psicólogos em sua equipe.

Essa estatística, revelada pelo Censo da Educação Básica, realizado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), evidencia o enorme desafio que o país enfrenta para cumprir a Lei nº 13.935/2019, que garante a presença de psicólogos e assistentes sociais na rede pública de ensino.

Avanço lento: uma realidade que preocupa

Desde a sanção da lei, em dezembro de 2019, o progresso tem sido mínimo.

A taxa de inclusão desses profissionais avança, em média, apenas 2,47 pontos percentuais por ano.

Em 2020, o número de escolas com psicólogos era de apenas 5,8%. Se mantido esse ritmo, a universalização da presença desses profissionais só será alcançada em 2058 — daqui a longos 33 anos.

A importância da escuta no ambiente escolar

Renata Grinfeld, coordenadora pedagógica da ONG Roda Educativa, reforça que a escola precisa ser reconhecida como um espaço seguro para crianças e adolescentes.

“Esse suporte emocional impacta diretamente o desenvolvimento físico, emocional e cultural dos alunos.

Quando não se sentem acolhidos no ambiente escolar, muitos jovens buscam validação em locais perigosos, como em determinadas plataformas digitais”, alerta Grinfeld.

Ela defende que a escuta ativa deve ser incorporada à rotina escolar, e não tratada como exceção.

Obstáculos estruturais e culturais

Apesar da urgência, a implementação plena da lei esbarra em dois desafios principais:

  • Falta de orçamento adequado para contratação de profissionais.

  • Cultura enraizada de evitar o debate sobre saúde mental.

“A sociedade brasileira carrega uma herança cultural de silenciamento. É comum ouvirmos que é melhor deixar pra lá, não tocar no assunto. Isso precisa mudar”, ressalta Grinfeld.

O que diz o Ministério da Educação?

Em resposta, o Ministério da Educação (MEC) afirmou, por meio de nota, que acompanha e apoia o processo de expansão do atendimento psicológico e do serviço social nas escolas públicas.

A pasta destacou a existência do Programa Saúde na Escola, além da criação de um Grupo de Trabalho que tem como objetivo reunir e organizar diretrizes que fortaleçam a implementação da Lei nº 13.935/2019.

Desigualdades entre estados: um panorama nacional

A situação, que já é delicada no âmbito geral, torna-se ainda mais desigual quando se observam os estados individualmente.

Estados com os piores índices

  • Rio Grande do Sul: apenas 1 em cada 1.000 escolas estaduais tem psicólogo.

  • Paraná: 0,3% das escolas estaduais têm o profissional.

  • Rio Grande do Norte: apenas 0,5% de cobertura.

A Secretaria de Educação do Paraná esclareceu que 300 psicólogos e assistentes sociais foram contratados em fevereiro de 2024, ou seja, após a coleta de dados do Censo Escolar.

Estados com maior cobertura ✅
Estado Cobertura (%)
Alagoas 52,9%
Tocantins 60,7%
Espírito Santo 65,1%
Pará 45,9%
São Paulo 24,9%

Esses números representam os estados que mais avançaram na implementação da lei, ainda que o cenário geral permaneça aquém do necessário.

O cotidiano do psicólogo escolar: desafios e limitações

A psicóloga educacional Verônica Custódio, que atua na rede estadual de São Paulo, relata as limitações do trabalho atual:

Os atendimentos são feitos em grupos de até 10 alunos, previamente selecionados pelas escolas, com base em sinais de necessidade de apoio emocional ou comportamental.

Ela explica que, ao identificar situações mais delicadas, os pais são acionados para que o aluno seja encaminhado a uma Unidade Básica de Saúde (UBS), onde poderá receber acompanhamento individual.

Além disso, Verônica atende em várias unidades escolares simultaneamente, uma realidade comum na capital paulista, onde cada psicólogo pode ser responsável por até oito escolas. Hoje, segundo o governo do estado, apenas 650 profissionais atendem a toda a rede.

O papel da família nesse processo

Outro ponto levantado por Verônica é a importância da participação ativa dos pais no processo de acompanhamento emocional dos filhos:

“A escola está aqui para apoiar, não para julgar. Os pais precisam estar presentes, atentos e em diálogo com a instituição.”

A integração entre família e escola é vista como peça-chave para que o acompanhamento psicológico seja efetivo e gere resultados concretos no bem-estar dos estudantes.

Caminhos possíveis para acelerar a mudança

Para que a universalização do atendimento psicológico nas escolas não demore mais de três décadas, ações estratégicas precisam ser adotadas de forma imediata:

1. Aumento do orçamento federal e estadual 

Destinar recursos específicos e permanentes para a contratação de psicólogos deve ser prioridade.

2. Valorização da saúde mental na formação docente

A capacitação de professores para identificar sinais de sofrimento psíquico pode antecipar intervenções e reduzir danos.

3. Parcerias com universidades e ONGs 

Convênios com instituições de ensino e organizações da sociedade civil podem ampliar o alcance dos atendimentos.

4. Estabelecimento de metas anuais realistas 

Criar objetivos por estado com base em metas progressivas e orçamento disponível ajudaria a monitorar o avanço.

Considerações finais: um alerta para o futuro

Enquanto a saúde emocional dos alunos continua sendo tratada como uma pauta secundária nas políticas educacionais, o Brasil deixa escapar oportunidades preciosas de construir um sistema de ensino mais humano, equitativo e transformador.

A ausência de psicólogos em grande parte das escolas públicas escancara uma negligência histórica com o bem-estar psíquico de crianças e adolescentes, que são diariamente expostos a situações de estresse, violência doméstica, bullying, dificuldades de aprendizagem e exclusão social — fatores que, quando ignorados, impactam profundamente o desenvolvimento acadêmico e pessoal.

A universalização do atendimento psicológico nas escolas não pode ser adiada por mais três décadas. O tempo é um recurso que os estudantes em sofrimento não têm. Cada ano perdido representa mais uma geração de jovens que cresce sem apoio emocional adequado, sem escuta ativa, sem acolhimento.

A urgência, portanto, não é apenas política — ela é humana, social e ética.

A transformação exigida por esse cenário não será alcançada por uma única entidade ou ação isolada: ela depende de um pacto coletivo entre governos comprometidos, redes de ensino atentas, famílias participativas e uma sociedade que valorize, de fato, a saúde mental desde a infância.

Mais do que uma demanda técnica, garantir psicólogos nas escolas é um ato de responsabilidade intergeracional.

Trata-se de oferecer aos nossos filhos e filhas — e aos filhos de quem ainda virá — a chance de crescerem em ambientes onde possam aprender sem medo, se expressar sem julgamentos e receber ajuda sem demora.

Uma escola que cuida da mente de seus alunos não apenas ensina conteúdos, mas constrói cidadãos íntegros, conscientes e preparados para enfrentar os desafios do século XXI. Ao priorizar a saúde mental, planta-se a base de um futuro mais saudável, empático e justo para todos.